01 - Acima de Tudo, Não Perca Seu Desejo de Prosseguir

- "Oh, você é do tipo desconfiada? Sem problemas.", o homem-gato parava na frente de Yukimura. Pela primeira vez conseguiua vê-lo completamente. Sua armadura era diferente da de todos que tinha visto. Diferente de sua armadura de cota de malha, das pesadas armaduras dos guardas ou das armaduras de couro que a maioria dos jogadores pareciam usar, a do homem-gato era coberta por pequenas escalas retangulares ligadas por cordas que iam de um pouco abaixo do pescoço até um pouco acima da cintura, sobre um pano branco que cobria todo o resto e tinha mangas longas. Em sua cintura não estava uma adaga comum, que praticamente todos tinham, ou uma espada larga como a sua, mas sim duas pequenas laminas pontudas. - Já lhe disse meu nome, então irei lhe resumir minha história. Eu sou talvez um dos jogadores mais experientes de VEDO, estive jogando desde o primeiro ano e tinha voltado nas últimas semanas. Vê meu equipamento? Mesmo com a randomização eu fui capaz de os adquirir facilmente, tenho certeza que menos de 100 pessoas trocaram de equipamento para um melhor, e eu estou com 5 deles sob meu comando. Não irei lhe fazer mal, garota, apenas quero te ajudar para, no fim, ajudar todos a sair desta brincadeira diabólico. Agora é sua vez, o que fez para ficar tão suja?"

- E-ei, foram dias difíceis, ok?! Eu não estou assim por querer! - A última pergunta realmente acertava um nervo. - Eu gostaria de dizer que são marcas de batalhas épicas contra monstros lendários... mas é tudo por que eu fiz a proeza de me perder. Mais de uma vez. - Parecia meio envergonhada em admitir, desviando o olhar. - Eu comecei a jogar pouco antes de tudo acontecer, então não foi muito fácil me adaptar. É verdade que eu tentei lutar por mim mesma, mas... eu acho que não sou exatamente boa nisso.

O homem-gato soltava uma pequena risava após os comentários da garota. - "Não se preocupe, isso aconteceu até mesmo com os mais veteranos. Ter voltado, mesmo que suja, ao menos prova que você tem muita sorte ou muita habilidade dormente, aposto em uma mistura de ambos. Mas voltar agora foi um movimento bom, lá fora vai ficar mais e mais perigoso enquanto o tempo passar, quem estiver sozinho vai precisar ser um bom estrategista. Estou montando um grupo, garota, um grupo para terminar logo isto tudo. Antes, quando era apenas um jogo, consegui terminar toda Vinland em 3, ou talvez 4, meses, isso tem o tamanho de um país real. Mas agora é diferente, bem diferente. Como disse, isso só vai ficar cada vez mais difícil, quem foi longe demais da cidade provavelmente não conseguirá voltar. No começo não tinhamos nenhum monstro, mas desde ontem eles aumentam em número e força, ouvi dizer que alguém matou um Goblin aqui dentro, o que nunca aconteceria no jogo. Baseado nos monstros que apareceram, eu e meus companheiros achamos que apenas em duas ou três semanas o jogo começará de verdade. Isto em que estamos agora, isso é só o tutorial. Dúvido que qualquer jogador vá conseguir sequer sair das Plánicies de Reyjavik. Ah, mas olha que falta de educação a minha! Falando, e falando e falando. Qual é seu nome, garotinha?"

- Era difícil engolir, mas Sayo entendia que o homem não estava meramente blefando. Se ela quisesse sobreviver... era melhor aprender a se virar, e rápido. - Yukimura. Meu nome é Yukimura. - Correto. Aquele não era mais o mundo real. Mesmo que temporariamente, ela não era mais Sayo.

O homem-gato abria um sorriso após a garota se apresentar. - É um prazer, Yukimura. Vou ser bem direto desta vez, e espero uma resposta igualmente direta., agora seu rosto se fechava, assumindo pela primeira vez um olhar sério. - "Vejo potencial e coragem em você, do tipo que se vê em poucos. Quer se juntar a meu time? Não temos muito agora, é verdade, mas quem tem? Podemos te ensinar como o jogo realmente funciona atualmente, infelizmente de forma prática, visto que o tempo é curto e mais e mais grupos estão se formando."

- Potencial. Não era uma palavra que imaginava ouvir, pelo menos nesse contexto. Para alguém que sempre esteve na média da mediocridade a vida inteira, simplesmente não imaginaria isso nem em seus sonhos mais loucos. Ela, tendo potencial? Depois de fracassar tanto em se adaptar àquele mundo? Parecia uma piada ruim, mas... no fundo, ela queria acreditar. - Hmm... Wilheim...! Se o que você fala é verdade... - Odiava ter decaído ao ponto de levar as palavras de um total estranho tão a sério, mas se existia ao menos um resquício de esperança...! - Se o que você fala é verdade, então... - Fechava o punho. - Eu vou me juntar a vocês.

O homem-gato novamente abria um sorriso. - "Perrfeito. É uma honra ter você a bordo. Agora, aceita meu convite para ir à taverna? Acho que tomar um banho talvez te caia bem, e aposto que se cansou de comer essas rações militares sem gosto, certo?"

- Relutantemente balançava a cabeça. - Certo, mas eu vou pagar pelas minhas coisas. E não tente nada também. - Dizia de maneira séria, se aproximando de Mercurius. - Então, podemos ir?

- "Nunca me ofereci para pagar, Yuki-chan.", o homem-gato riu após dizer. - "Já está tudo pago, não se preocupe. Vamos."
Seguiram primeiro à esquerda, em um bairro que Yukimura logo percebeu ser comercial. Vários estabelecimentos podiam ser vistos, todos vendendo toda espécie de item. Mas não eram os itens comuns de um jogo, eram itens que podiam ser encontrados na vida real, ferramentas, pinceis, gaiolas, roupas... este mundo parecia estar ficando mais real a cada momento. Após algum tempo de caminhada tomaram um desvio à norte, e depois entraram em uma rua estreira. Lá entraram em um estabelecimento pequeno, porém de dois andares. Abaixo podia ver várias mesas e cadeiras, algumas ocupadas, mas a maioria livre, um balcão onde um homem gordo de bigode limpava um copo, era obviamente um bartender, e algumas garçonetes entrando e saindo de uma porta. Do outro lado havia uma escada que dava para o segundo andar "lá ficam os quartos, primeiro à esquerda, tome um banho e quando voltar conversaremos e comeremos, tranque a porta", disse Wilheim entregando uma chave para a garota.
O quarto era simples. Possuia apenas uma cama, uma escrivaninha, um pequeno guarda-roupas e uma porta que dava para o banheiro, que tinha apenas uma banheira cheia de água e produtos de higiene pessoal.

- Trancava a porta, apoiando suas costas. Se sentava ali mesmo, colocando as mãos sobre os olhos. Suspirava. - O que eu estou fazendo? Ugh... - Permanecia assim por algum tempo até finalmente se levantar, se dirigindo até o banheiro. Se entregou aos seus pensamentos enquanto seu corpo tinha um merecido descanso.

A água da banheira estava levemente morna, com o tempo ficando um pouco fria, mas foi o bastante para relaxar completamente o corpo cansado da garota. Ao mesmo tempo em que limpava seu corpo, que agora podia notar que realmente estava sujo, aproveitada para pensar e repousar. Todo o terror do mundo lá fora agora pareciam alheios, sentia-se de volta ao mundo real, como se estivesse tomando banho antes de ir para a escola. Assim ficou por muitos minutos. Mas o mundo lá fora se movia, sabia que seus pensamentos de nada adiantariam. Finalmente se levantou, vestiu suas roupas (que em parte continuavam sujas de poeira, sorte que nenhuma chuva havia acontecido), pegou a chave e saiu do quarto.
Quando desceu Wilheim não podia ser visto, mas uma garçonete fez um sinal indicando em qual mesa a garota deveria se sentar. Era uma mesa para dois, simples, de madeira com cor marrom-forte. Sobre ela estavam um pedaço de queijo, pão torrado, alguns bolinhos brancos irreconhecívels (pareciam quentes), um copo médio com leite e dois copos grandes com cerveja. A seu redor as pessoas pareciam haver diminuído, não deveria ser o horário de pico ainda, talvez por ser muito muito cedo, ou talvez sequer existisse, mas isso dava um ótimo toque de privacidade. O homem gordo de bigode continuava limpando o copo, o pano que usava não parecia ser dos mais limpos, mas dizer qualquer coisa não pegaria muito bem.

- Ah... obrigada. - Agradecia a garçonete com uma expressão séria enquanto se dirigia até a mesa indicada, se sentando na mesma enquanto tentava manter impor a si mesma. - "Você precisa ser forte, Sayo." - Suspirava, observando seus arredores. Onde Wilheim havia se metido...?

Perguntava-se onde Wilheim poderia haver se metido, mas antes de se aprofundar em sua própria dúvida sentiu a necessidade de derrotar mais um inimigo: sua fome. Pegou um dos bolinhos, estava um pouco quente, e comeu. Tinha gosto de... peixe? Era bom! Alguma coisa em seu tempero fazia o bolo ficar com um sabor levemente adocicado, sentia-o derretendo em sua boca. Em pouco tempo o havia comido inteiramente. Era bom voltar a ter uma refeição de verdade. Por 4 dias a única comida que teve foram as rações militares, e elas tinham gosto nulo, eram como biscoistos água e sal feitos apenas de água. Comeu mais um bolinho. Quando estava pegando mais um, foi surpreendida por Wilheim. - "Bons, não são? Parecem comida do nosso mundo. Não sei a sua idade, então comprei cerveja e leite." , sentou-se na cadeira frente à Yukimura, pegando um dos copos de cerveja e um pedaço de queijo. "Estava ocupado tentando achar algo de útil para fazermos ainda hoje, descobri uma espécie de quest que pode nos dar alguma boa recompensa. O que me diz, Yuki-chan, acha que é a mulher certa para o serviço?"

- ...eu pareço tão velha assim para você? Isso dói. - Sentia-se levemente magoada, considerando que seu avatar deveria ser uma representação extremamente fiel de sua própria aparência. Ah, mas não tinha como Wilheim saber disso, afinal. - Mas deixe isso de lado. De que tipo de quest você 'tá falando? Eu não sou realmente experiente nesse jogo, como você já sabe.

- "Se você parecesse ser velha eu teria comprado algo muito mais pesado que cerveja.", dizia com um pequeno sorriso no rosto. - "A quest é bem simples. Algum peixe gigante apareceu no rio aqui perto, isso está prejudicando os pescadores, e se prejudica os pescadadores esses ótimos bolinhos não podem ser feitos. Temos apenas que fazer ele sumir, o que presumo não ser muito difícil. Toda noite ele fica na parte baixa do rio, então se sairmos em uns 30 minutos poderemos o pegar tranquilamente. O que me diz?"

- É só isso? Parece simples o suficiente. - Dava um sorriso sincero, as coisas pareciam melhorar para variar. - Eu não tenho muita experiência com lutas, na verdade, eu só lutei uma única vez até agora, mas... eu acho que consigo me virar nessa. - Seus olhos queimavam em determinação pela primeira vez desde que havia adentrado aquele mundo. - Eu 'tô dentro, mas onde 'tá o resto do grupo que você falou?

- "Eu vim sozinho, o resto do grupo está ou explorando ou preparando nosso esconderijo. Pretendiamos comprar uma casa em alguma cidade para ser nossa base de operações, mas uma casa qualquer aqui está custando no mínimo 600 moedas de ouro, o que é um absurdo. Era difícil conseguir uma moeda de ouro no jogo original, agora é quase impossível. Mas assim que formos para uma cidade menor pode ter certeza de que enfim teremos uma base digna.", dizia com um certo orgulho em seu rosto. Bebeu um gole de cerveja e mordeu o queijo. - "Lá vou em falando demais novamente. Por ora, apenas se preocupe em comer. O futuro ao futuro pertence."
Ambos a garota e o homem-gato devoraram tudo o que tinha sobre a mesa. Era revigorante, e completamente feliz, poder voltar a comer como uma pessoa digna. Tudo tinha um gosto tão bom, podia sentir cada pequeno detalhe em sua boca. Quando enfim terminaram a garota ficou sentada na cadeira enquanto Wilheim conversava com o homem que limpava os copos. A tranquilidade é momentânea, mas o sentimento é eterno.

Acima de Tudo, Não Perca Seu Desejo de Prosseguir

FIM