Interlúdio - Starman

»Terça (18/06/20XX)
- Os raios solares finalmente se focaram em seus olhos, lhe acordando de maneira gentil como o abraço de uma mãe a muito perdida. Seu corpo estava dormente, sua mente lutava por mais alguns minutos de sono, mas o barulho do lado de fora finalmente se mostrou perceptível o suficiente para isso se tornar uma tarefa difícil.
Sua estranheza inicial logo foi substituída por conforto. Estava em seu antigo quarto, em sua casa no Porto de Nor. Levemente empoeirado, mas tão aconchegante quanto se lembrava. Não havia ninguém além dela, apesar de conseguir ouvir passos abafados e uma conversa incompreensível a alguns cômodos de distância. Sua mente logo se focou nos eventos da noite anterior, que apesar de dolorosos e incompreensíveis, haviam sido com certeza reais.

NPC's/Players presentes:

-- Era estranho não ter mais o tapa-olho, mesmo que tivesse ficado por pouco tempo com ele. A noite anterior tinha sido a mais elétrica da vida de Estelle, e ainda não havia se recuperado. Estava confusa e tentando discernir o que havia realmente acontecido e o que era parte da sua imaginação. Mas deveria levantar. Tentou, mas seu corpo não a obedecia. Tentou de novo, cambaleando, quase caindo, mas conseguiu se erguer. Estava vestida, o que era bom. Ia em direção as vozes, caminhando da melhor forma que conseguia.

- Prosseguiu da melhor forma que pôde, se apoiando nas paredes e nos móveis. As vozes vinham da sala de estar, e para lá se dirigiu.
Três formas conhecidas apareceram em sua frente assim que abriu a porta, sua conversa logo cessando assim que perceberam Estelle. - Ah... - Kuchi riu de maneira simpática, enquanto Rift colocou a xícara de chá que tomava sobre a mesa. - Você não deveria estar em pé, Estelle! - Seu pai se levantou apressado e preocupado, auxiliando a garota até uma poltrona próxima. - Eu vim assim que soube da notícia, no primeiro dirigível. Sinceramente, não sei o que dizer... - Era a primeira vez que Estelle ouvia aquilo vindo da boca de Rift.

NPC's/Players presentes:

-- Era estranho ver Rift ali. Havia pensado nele, mas não esperava esse tipo de ação tão... repentina. -- Veio... veio tentar salvar a donzela em perigo, não é? -- Sua voz soava fraca e seca, precisava beber água, mas não iria perder a chance de provocar Rift. -- Onde... onde ela está?

- Rift riu. - Infelizmente para você, eu oficialmente estou aqui por assuntos da Associação. Um porto pega fogo, relíquias ancestrais desaparecem e um barão é preso... teremos bastante coisa nas mãos pelos próximos dias. - Deu de ombros. - Eu conheço o ruivo a menos de uma hora e a Estelle a menos de doze, mas já dá pra perceber onde isso vai chegar... - Kuchi suspirou. - Em lugar nenhum! - Horace e Rift disseram em uníssono, estridentemente.

- A pergunta de Estelle, porém, fazia a atmosfera pesar. - Foi ela que contatou a Associação, mas saiu bem cedo junto com o Rhode para o cemitério. - Eu não posso dizer que entendo muito do que está acontecendo, mas ela queria... visitar o túmulo do Thomas. Ambos, na verdade. - Seu pai falou, com a voz pesada.

-- Estelle ria dos momentos iniciais, especialmente da reação de Rift e seu pai. -- Pra ser honesta, eu também não entendo muito bem tudo o que está acontecendo, mas... é algo grande. Muito grande. Acho que vamos precisar conversar, Rift... eu vi alguém lá... alguém que não deveria ver, não ainda. -- Buscava um pouco de água para beber enquanto esperava pelo que Rift diria. -- A cidade.... como está a cidade?

- A face de Rift escurecia. - Sim, nós temos. Bastante. - Disse de maneira seca. - O incêndio foi grave, mas acho que você precisa ver as coisas com seus próprios olhos, Estelle. - Kuchi interrompeu. - Uhum. E eu gostaria de visitar o túmulo do seu avô, também. Eu tenho certeza... de que ele foi um grande homem. Você vem comigo?

-- Estelle acenava com a cabeça. -- Acho que é o melhor a se fazer no momento... -- Enquanto terminava de falar, sua barriga roncava. -- ...que dizer, é o melhor a se fazer depois que eu comer alguma coisa. -- Dava um de seus habituais sorrisos que beiravam a inocência infantil.

- Não que eu fosse deixar você sair sem comer nada, de qualquer forma. - Seu pai sorriu.

- Depois do café da manhã, já deveriam ser aproximadamente umas dez horas. Rift colocou um casaco e a Estelle foi dada uma espécie de bengala, já que não conseguia realmente andar sem alguma dificuldade. Se prepararam e seguiram para a saída da residência, logo interceptados por Horace e Kuchi. - Vocês dois não vêm? - Não não, eu vou ajudar o Sr. Bright a arrumar o estoque que foi parcialmente queimado durante a noite. Eu não posso lutar que nem vocês dois, então isso é o máximo que eu posso fazer para ajudar. - A garota disse. Rift colocou a mão sobre a cabeça de Estelle. - Acho que somos só nós dois então, Bright. - Em uma velocidade que desafiaria as leis da física, Horace olhou com um olhar afiado para Rift, que logo recuou sua mão. Suava levemente. - Quer d-dizer, nós dois e a Kuroyuki e o Rhode, é isso aí... haha...

-- Estelle não podia deixar de rir das ações de Rift. -- Sim, claro, Rift, todos entedemos os seus desejos. -- Lançava. -- Mas, enfim, temos algo importante para discutir de qualquer forma, então é melhor aproveitarmos. -- Seu rosto mostrava, agora, seriedade.

- Saíram enfim, com o Porto de Nor finalmente aparecendo para os olhos dos dois.

Se deparou... com algo que já esperava. Casas destruídas, uma leve bruma que na verdade era fumaça, escombros em todos os lugares e pessoas lutando para recuperar as poucas coisas que haviam sobrevivido ao incêndio. Era um caminho bem longo até o cemitério, fora da cidade, então poderiam ver bastante do estado de Nor até lá. Estelle se apoiava em sua bengala, o que seria uma cena cômica se não fosse trágica.

- Você vai descobrir uma hora ou outra, então eu vou dizer logo. - Rift finalmente falou. - Houve um número... considerável de mortes, e bem mais pessoas ainda estão desaparecidas. - Parecia tentar amaciar suas palavras, mas considerando que era Rift... - A maior parte do Porto foi queimada, e o estado requisitou ajuda federal para lidar com o dano. Foi oficialmente caracterizado como um ato de terrorismo. - Continuou andando. - O Departamento de Segurança Nacional provavelmente vai chegar até você em breve. Eu sei que a Associação vai, em pouco tempo.

-- Estelle olhava para todo o caos e destruição. Seu rosto estava sério, pensativo, com uma leve tristeza no olhar. -- Eu... imaginei. Ele estava lá... o Ryouma. Eu vi ele cara a cara. Eu ouvi a voz dele. -- Sua voz estava trêmula, como se tivesse dificuldades de se lembrar ou se a memória a estivesse afetando. -- Por que eu ainda sou tão fraca...? -- Lágrimas jorravam de seus olhos. Tudo o que não havia chorado na noite anterior estava saindo agora. Seus olhos eram como rios.

- Ryoma, huh... eu vou precisar que você me dê mais detalhes sobre isso. - Continuaram andando. - Eu acho que você precisa dar mais crédito para si mesma. Você enfrentou um culto ancestral. Você descobriu a verdade sobre seu avô. Você foi sozinha até o covil dos inimigos, e sobreviveu para contar a história. - Falou, olhando ao seu redor. - Se você relembrar apenas o que não conseguiu fazer em meio a tudo que conseguiu, vai ser incapaz de seguir em frente e fazer qualquer outra coisa. Então não seja tão rápida em julgar a si mesma, pois nem mesmo os mais fortes são incapazes de falhar. - Viram o que parecia um homem idoso tentando levantar um grande bloco de concreto, Rift logo indo até o local e facilmente levantando o mesmo com uso de Nen. Voltou para Estelle. - Apesar que, nem eu mesmo confio nessas palavras, pelo que parece... aaaaah! - Balançou a cabeça. - Desculpe, você com certeza não quer ouvir esse tipo de coisa agora. Nem eu sei por que estou falando essas coisas...

-- Estelle continuava chorando, mas conseguia ouvir tudo o que Rift dizia. -- Eu... eu entendo... mas, eu não consegui fazer nada sozinha.... e eu... eu deixei a Kuchi sofrer... eu não quero ver quem eu gosto sofrer... e se... -- Não conseguia continuar a falar. Limpou o rosto com os braços e tentou impedir os soluços. -- Como eu vou enfrentar ele, Rift? Eu... eu não consigo ser forte de verdade... eu nem consegui usar meu hatsu...

- E o Ryoma conseguiu? Essa tal Yukihime conseguiu? Como eles são melhores que você, nesse aspecto? - Respondia a afirmação de Estelle sobre não conseguir fazer nada sozinha. - Mesmo se houverem batalhas solitárias, você não está lutando a guerra sozinha. Não tente levar o peso do mundo em suas costas. - Concluiu. - Eu não consigo responder isso pra você... pra ser sincero, eu também sinto certo medo. - Sua voz tremia levemente. - Mesmo quando não lutarmos sozinhos, mesmo com todas as pessoas que estão do nosso lado... de que adiantaria uma vitória se isso significar perder todas elas? É conflitante, tudo isso. "Eu não quero lutar sozinho, mas também não quero colocar as pessoas que me amam em perigo". Que hipócrita eu sou. - Tirou um relógio de bolso de seu casaco. O mesmo estava com o vidro quebrado, e o ponteiro parecia já desgastado de tanto ficar no mesmo lugar. - Eu já falei pra você da história de quando eu recebi minha primeira estrela?

-- Estelle apenas ouvia o que Rift respondia. No fundo concordava, mas não queria arriscar. Se o preço para ver aqueles que ama a salvo fosse sua vida, ela a daria sem pensar duas vezes. -- Sua primeira estrela? Não... não que eu lembre. -- Fazia sinal como quem diz "continue".

- Bem... eu serei breve. á faziam três anos que eu era um Hunter. - Começou. - Eu já era um Blacklist naquela época, junto com um amigo. O nome dele era Nero. Você provavelmente nunca ouviu sobre ele. Não do Caesar, que era irmão dele, pelo menos. Era eu, o Nero e outra amiga, também Hunter. - Chutou uma pedrinha. - Um dia, nós começamos a investigar um esquema internacional de tráfico de drogas e pessoas em Ochima. Era a oportunidade perfeita para nós três finalmente avançarmos em nossas carreiras. - Pausou. - Não vou entrar em detalhes, mas nos entregamos de corpo e alma para essa investigação. Dia e noite. Fazia chuva, fazia sol. Interrogamos muita gente, fomos para os lugares mais inóspitos e perigosos possíveis... e obviamente, nossos movimentos chamaram atenção. - Respirou fundo. - Ameaças se tornaram parte de nossa rotina, mas não olhamos para trás. No fim, finalmente descobrimos quem era o cabeça de tudo. - Olhou para cima. - Era um Zodiac. Escolhido à dedo pelo presidente na época. Não planejávamos parar ali: isso seria o escândalo da década! Mas nós éramos jovens e tolos demais para ver tudo. - Fomos pressionados a parar. Os meios eu deixarei para sua imaginação. Nós fomos sobrecarregados. Nem mesmo a independência dos Hunters significava alguma coisa contra a pressão política que sofremos naquele tempo. Nossas famílias foram ameaçadas, nosso trabalho dificultado... e tudo que você possa imaginar. Conquistando quem importava com perversão e suborno, aquele Zodiac tinha todos que importavam na palma da mão. Ele ainda tem. - Suspirou mais uma vez, entregando o relógio de bolso para Bright. - Mas não paramos. Tudo daria certo se conseguíssemos expor a verdade, não era? Eu estava fixado nessa ideia. Eu convenci os outros a fazer o mesmo. Bem... nunca conseguimos. Nero foi assassinado. Nossas provas foram destruídas. Mesmo face a face com o culpado, não conseguimos fazer nada. Nem eu, nem Velvet. Ambos tínhamos coisas que queríamos proteger, mas contra o mundo inteiro, que chance tínhamos? Não tínhamos poder nenhum. Coagidos a trabalhar para aquela pessoa, colocamos um traficante não relacionado na cadeia e fechamos o caso. Nossa recompensa foi uma estrela e a promessa de que nada mais sobre aquele caso seria discutido. Além da memória do corpo torturado de Nero, tudo que restou dele foi esse relógio. - Olhou para o mesmo. - Velvet abandonou a carreira de Hunter. Vendeu sua licença, acho. Eu tomei um aprendiz, que se provou uma experiência tão dolorosa quanto a anterior. Mas isso deixaremos para outra hora. - Colocou as mãos nos bolsos do casaco. - Eu nunca falei a verdade pro Caesar. Que eu não consegui salvar o irmão dele. Que por causa de mim, ele acabou perdendo a vida. Mesmo que eu ache que no fundo ele saiba.

-- Estelle já estava abalada, a história de Rift apenas fazia com que se sentisse mais impotente. -- Então... eu devo fugir? O Ryoma... talvez ele não seja tão influente quanto um Zodíaco, mas ele é influente... e pra ele tudo isso é um jogo, ontem ficou provado. -- Suspirava fundo. -- Que chances eu tenho?

- Isso você vai ter que descobrir por si mesma. - Rift falou. - Assim como eu tive. - Era a primeira vez que Estelle percebia que, apesar de tudo, Rift estava longe de ter todas as respostas. Ele estava tão assustado e se sentia tão impotente quanto ela, se não mais. - O festival de Setembro já está quase aqui. Você planeja voltar atrás?

-- Esperava uma resposta do tipo. -- Eu já fui longe demais pra voltar. -- Seu rosto parecia diferente... otimista novamente. -- Mas ultimamente, eu tenho... tenho me sentido diferente, sabe? Como se estivesse sentido uma febre... uma raiva causada pelo sentimento de impotência, o que tem me deixado... cruel. Eu disse coisas... eu ameacei pessoas... eu não faria isso normalmente. -- Deixava sair outro suspiro. -- Eu não tenho mais certeza de que sou a heroína da história.

- Você é um ser humano. - Rift respondeu. - Além de jovem e inexperiente. As coisas pelas quais você passou... não são coisas que um adolescente deveria passar. Eu estaria surpreso se isso não tivesse te afetado de alguma forma. - Falou, com um sorriso sem graça. - Você reconhece isso. E contra si mesma, você luta uma luta que só você pode entender. Eu lamento não poder te dar alguma resposta. - Colocava sua mão sobre a cabeça de Estelle, finalmente agindo como um mestre corrigindo um aprendiz. - Mesmo que isso seja uma coisa patética para um mestre dizer... cara, eu não aprendi nada mesmo.

-- Dava um sorriso de canto de rosto. -- Acho que só conversar é uma ajuda. Agora... é melhor irmos mais rápido, não?

- Concordava com a cabeça, e ambos prosseguiam.


- Devido ao absoluto número de mortos, o cemitério ainda começaria a ver real movimento. Ali, apenas conseguiam ver duas pessoas rezando em um túmulo, logo percebendo que eram Kuroyuki e Rhode. Pareciam focados, já que não percebiam a aproximação de Estelle e Rift. - Acho que deveríamos ter trazido flores...

NPC's/Players presentes:

--Deveríamos mesmo. -- Estelle concordava. Se aproximava dos dois já presentes e tossia de leve, para anunciar a chegada.

- Ambos se viravam ao mesmo tempo, rapidamente se levantando. - Ah, Estelle. Bom dia. - Kuroyuki falava, sendo jogada de volta pra realidade. - É ótimo ver você em pé e bem. - Rhode completava. Atrás dos dois, um túmulo com algumas flores e uma garrafa de uísque, na lápide estando escrito:


- Perdão sair tão cedo. O Sr. Rhode queria visitar o túmulo do seu avô antes de irmos. - Falou.