Nor Port Town Arc - 03

-- Fogo, huh? Parece que vocês são um bando de piadistas. -- Sem alternativas, Estelle resolve literalmente se jogar contra seu objetivo. Canalizou sua Aura e disparou com ela carregada em seus pés, ganhando impulso para saltos que cortariam boa parte da distância.

- Sua investida parou involuntariamente quando viu uma forma em um pico. Em seu corpo jaziam vestes femininas orientais, em sua mão algo que se assemelhava a uma lâmpada, gerando uma chama que seguia, religiosamente, até um ponto alto dos céus antes de explodir e se tornar uma labareda, seguindo o resto de seu caminho. A mulher estava de costas para Bright, mas parecia que seus olhos estavam bem atentos sobre a garota, não sobre o mundo que parecia observar lá em baixo. Ela não disse nenhuma palavra, nem mesmo pareceu reconhecer a aproximação de Estelle, e mesmo assim... a garota conseguia perceber que ela não seria surpreendida. Parecia esperar alguma iniciativa da garota do Porto de Nor.

-- Estelle se aproximava a passos lentos. -- A mansão por si só não era o bastante? Com certeza você não tem medo de mim, então... por quê? -- Estelle tentava ser racional. Sentia vontade de atacar, mas sabia que não devia fazer isso, estava em território inimigo, e Kuchi poderia ser também atacada. Deveria jogar com as cartas que estavam na sua mão.

- Você não deve achar que eu fiz um circo como esse voluntariamente, querida. - Finalmente se virava, mostrando um rosto pálido, definido... e lindo. Não, seu rosto não possuía nada de especial -- e mesmo assim... era hipnotizante. - Pois minha existência não é tão semelhante à sua ou de seus companheiros quanto parece, e minhas lutas com certeza não são limitadas a eles. Pois meu corpo foi destruído, mas minha alma não. E por isso, eu lhe recebo em um local em que posso me manifestar de uma maneira que me agrada -- mas não só a mim. - Explicou. - Você não está certa ao dizer que eu não tenho medo de você, mas o medo não chega na metade equivalente do desprezo. Pois olhar para você é como ter aquele homem e seus ideais esfregados em meu rosto novamente. - Se aproximou lentamente. - Já que... você é a herdeira dele, não é? Ele não só lhe confiou a obra de sua vida, como também a sua paixão. Ele queria que você triunfasse onde ele falhou, mesmo com meus avanços. - Segurou a lâmpada ornamentada com suas duas mãos. Se Rhode estava correto, aquilo era o responsável pelo incêndio em Nor, e tê-lo em mãos significava ser capaz de pará-lo. Uma relíquia do Continente Negro. - Meus fracassos passados são a prova de que eu sou, no fim, uma tola. Mas não para achar que você veio aqui da vontade de se unir a nós. É isso que você procura, não é?

NPC's/Players presentes:

-- A figura da mulher parecia se fundir ao gelo e ao frio do local, como se fossem um. -- Sim... é isso. Mas eu sei que você não vai simplesmente entregar. O caminho até foi... foi tortuoso. Não só para mim, meu sofrimento é pequeno se comparado ao das pessoas da cidade. Por que envolver inocentes nisso? Tirar a vida de pessoas alheias... pessoas que sequer sabem o que é tudo isso. Seu grupo, seja lá quem forem ou os nomes ridículos que usem, vale tanto a pena assim pisar nas pessoas? É o que vocês querem, o poder? -- Bravejava enquanto cerrava os dentes e os punhos.

- Poder? - A mulher negou com a cabeça, fechando os olhos. - A busca por poder não passa de uma procura fútil para mim. Uma procura que a princípio busca apenas satisfazer uma necessidade momentânea se torna uma sede insaciável. Eu não acredito que todo poder do mundo seja suficiente para alguém que procura obtê-lo. Não, eu talvez só seja tola a esse ponto. Eu tentei uma vez, e não é algo que eu estou disposta a repetir. - Bradou à lâmpada. - Minhas ações são voltadas para a obra do Um Deus. E não haverá nenhum Deus antes ou depois dele. Pois ele trouxe o início, e em breve trará o fim. - Era tudo que Estelle precisava. Um culto religioso. Se virava, observando as montanhas novamente. - A energia necessária para se retornar ao mundo dos vivos e continuar minha missão... é uma quantidade grande, de fato. E não existe nada neste mundo -- nem nos outros -- que possa satisfazer isso melhor do que as vidas de seus semelhantes. Para o alvo ser sua casa é um infortúnio, mas a oportunidade de, ao mesmo tempo, deixar esta forma astral e pisar sobre as lembranças póstumas daquele homem era boa demais para que eu deixasse passar.

-- Um culto religioso de malucos. A cada aventura parecia que Estelle se encontrava com grupos ainda piores... sentia até saudades da época em que suas maiores preocupações eram os SHIN. -- Deixa eu ver se entendi... você quer matar pessoas pra trazer de volta um deus que vai acabar com tudo? E pra quê você quer fazer isso? Se ele vai acabar com tudo, qual o propósito? No fim vai ser em vão... literalmente vai ser como se não tivesse acontecido. -- De certa forma estava decepcionada. Esperava alguém com uma vontade mais... explosiva. Lidar com malucos envolvidos em cultos assassinos não era sua especialidade.

- Negava com a cabeça novamente. - Eu nunca disse que Ele vai acabar com tudo. Mas com o reino dos homens, isso pode ter certeza. - Apontava para um local distante, instruindo Estelle a se aproximar. Apontava para... ruínas, diferente de tudo que Bright já havia visto. A muito sua estrutura havia sido tomada pela neve, e a erosão do vento já era considerável. - Você já se perguntou o que aconteceu antes dos homens aparecerem neste mundo, filha dos Bright? Que criaturas e civilizações costumavam dominar estas terras -- e as do Continente Perdido?

-- Estelle contemplava o que lhe era mostrado. -- Antes dos homens? -- História não era seu forte... na verdade nenhuma matéria da escola era. -- Uuuuuuh... os dinossauros?

- Você não está errada, mas essa é uma história mais recente. - Ria. - Havia um universo de reinos de, bem, "humanos" diferentes. Mas nenhum deles era constituído por homens como você conhece. Humanos que viviam em luz, humanos que viviam no fundo do mar, no fundo do solo, cujos olhos assimilavam uma cor carmesim... - Pausou. - Eu era -- sou -- uma dessas, de uma civilização perdida a muito, pelo nosso próprio hubris. Meu verdadeiro corpo a muito se perdeu, mas minha mente continua em frente. Meus anos devem ser agora mais numerosos que as luzes no céu numa noite escura, e minhas experiências já passaram pelo amor, decepção, concepção... e tudo que você possa imaginar. - Suspirou. - "Se tornar uma maldição provinda do Continente Proibido e trazer consigo o fim do reino dos homens e retorno dos reinos de luz, quando os remanescentes retornarem ao seu lugar de origem...", foi a promessa dada pelo último herói dos tempos antigos. O fim não é tanto um fim quanto é um recomeço e recuperação de tudo que foi perdido devido às venturas ao Continente Perdido. - Explicou. - Mas para aquele lugar, cujas regras são mais antigas até mesmo que o povo de que eu falo, algo só pode ser obtido se algo de igual valor for dado. - Finalmente se virava para Estelle. - E esse foi o preço dado pelo Nen ancestral. De usar a destruição como regeneração. E é por isso que eu luto até hoje, incessantemente. - Pausava novamente. Seus olhos se focando nos de Bright. - Você acha que eu sou louca? Que eu não tenho o direito?

-- Sinceramente, estava surpresa de parcialmente ter acertado a resposta. -- Olhos cor carmesim....? Como a Kouha... como os kurta... -- Dizia baixinho. -- Você pode não ser louca, até porque os loucos que eu conheci eram mais... excêntricos. Mas com certeza deveria aprender uma coisa ou outra com a história que você mesma conta. Olha, eu não sou arqueóloga de verdade, e só estou nisso pela emoção de encontrar algo novo, mas até mesmo eu sei que civilizações nascem e morrem... nada dura pra sempre. Antes desses humanos que você diz existirem, outras pessoas... ou outras coisas dominavam o mundo. Por que vocês em específico são mais valiosos que nós? No fim das contas, é só egoísmo ou nostalgia... Mas quem sou eu para falar, certo? -- Terminava de falar soltando um pequeno suspiro.

- Eu não discordo de nada que você falou, mas eu também gostaria de perguntar algo. - Se prostrou. Aquilo era realmente uma surpresa. - O que você faria se fosse você no meu lugar? Se estivesse em um mundo estranho e que não se encaixa, com a oportunidade e meios de fazer algo sobre isso para alcançar novamente os dias calmos e prósperos de outrora? - Fixou seus olhos em Bright. - Reconhecer que agir seria egoísmo... seria o suficiente para consolá-la? Você colocaria a felicidade de um povo estranho acima do seu próprio? - Perguntava, mas já sabia a resposta que viria, especificamente, de Estelle.

-- Estelle não podia deixar de abrir um pequeno sorriso de canto de boca com a pergunta. -- Sabe, tudo isso começou porque eu queria ser uma Hunter. Na primeira tentativa eu fracassei por... problemas técnicos. Mas da segunda vez... eu me desqualifiquei porque me classificar significaria que outras pessoas iriam fracassar... pessoas inocentes. Então no seu lugar eu simplesmente tentaria me adaptar aos novos tempos, deixaria o passado no passado, por mais doloroso que fosse. -- Dizia com um certo orgulho, apesar de seus olhos demonstrarem que naturalmente teria feito algumas coisas diferentes. -- Mas talvez eu seja idealista demais. Talvez o mundo não mereça... mas não sou eu quem julgo isso. Então se posso ajudar, eu ajudo, mesmo que custe algo valioso.

- A mulher ria. - Me parece que discordamos em pontos bem importantes. Ou talvez... você só seja, ironicamente, alguém mais psicologicamente poderosa do que eu. Isso me lembra aquele homem... nesse aspecto, você provavelmente puxou a ele. Sem dúvidas. Ele sempre foi mais forte que eu, também. - Girava o dedo, de onde saía um cachimbo fino. - E é por isso que eu acho você desprezível. Ofensiva, até. - Colocava a lâmpada no chão. A chama não era perturbada. - Eu pensava que tê-la do meu lado seria a maneira mais efetiva de humilhar aquele homem. Corromper aquela em que ele depositou toda esperança, a quem dedicou seu legado, destruir tudo que ela ama, que ela valoriza... mas agora, eu tenho certeza. - Tragava, e então falava. - Eu lhe darei a lâmpada, se você se prostrar diante de mim. Fique de joelhos. Me dê seu coração, sua mente. Jure aliança ao meu nome. - Estelle era uma expert em blefar, mas... aquela não parecia uma hora apropriada. Ela sentia que, se concordasse naquele momento, não teria volta. Ela realmente, sem dúvidas, seria tomada por aquela mulher...!

-- Primeiro veio a seriedade. Seu rosto estava sóbrio. Os ventos gelados arrastavam seus cabelos, vez ou outra jogando alguns fios para seu rosto. O tom ruivo-acastanhado se destacava no meio de todo o branco. Seus olhos encaravam a mulher japponesa. O clima foi quebrado com uma risada. Estelle ria audivelmente. Não somos tão diferentes assim, no fim das contas. No que importa somos iguais. Você não desiste também, não é? Eu discordo dos seus objetivos, mas fazer essa proposta de forma séria... você não aceitaria um não como resposta. Se eu negar, você vai tentar me matar, não é? -- Sua voz soava mais séria conforme falava. Agora havia voltado a sobriedade de antes. -- Mesmo que eu aceitasse a lâmpada e salvasse a cidade, isso significaria que outras cidades teriam o mesmo destino. Não, não. Não faria sentido pra mim. Acho que vou ter que recusar seu pedido.

- Tragou. Permaneceu em silêncio por alguns segundos enquanto o vento soprava um pouco mais forte, e então finalmente falou. - Conhecendo você agora... você nunca seria convencida por algo assim. Então... - Ficou séria, enquanto o mundo ao redor de Estelle parecia se esvair. As montanhas sopravam como pó, e o chão ficava cada vez mais... rarefeito...! - Onde eu falhei em convencê-la com palavras, eu tentarei convencer com dor e humilhação. - E caiu, em direção a um infinito negro que se abria repentinamente sob seus pés.