Nor Port Town Arc - 04

-- Estelle estava sem reação. Não entendia o que estava acontecendo exatamente. Era uma traição? Ou a garota de alguma forma havia conseguido se infiltrar? Se Yukihime estava ferida, talvez fosse uma chance, uma chance para... não sabia, não podia fazer nada, seu corpo estava fraco e preso. -- Quem... o que? O que está acontecendo aqui?

- Sinto muito que você precise ver isso, Estelle. Sua presença aqui é um tanto quanto... hum... inoportuna. - A garota falou, em um tom apologético. Yukihime riu de maneira estridente, quase como se ignorasse o sangue que agora era expulso de seu corpo. - Hah... hahahaha... hahahahahahahahahahahahahahaha! Mas que reviravolta inesperada! Não teriam os deuses um senso de humor doentio? Uma mãe... traída pela própria filha... como você ao menos... conseguiu se infiltrar...? - Seus seguidores precisam jurar de maneira sincera um amor incondicional por você... e eu a amo, mamãe. Mais do que qualquer um. - Disparou novamente. Quatro tiros. Todos se encontrando com o corpo indefeso da princesa da neve. A mulher ainda resistia, mas os ferimentos que atormentavam seu interior eram reais. - Você é realmente uma idiota... desde pequena... uma imbecil... que acha que pode acabar com um rancor de eras... assim... - Atirou uma última vez, a bala acertando a testa de Yukihime e lhe jogando alguns centímetros para trás. Cambaleou, com sua vida claramente deixando seu corpo, e caiu para trás, sua forma saindo de visão e com um impacto audível se chocando com as rochas atormentadas pela tempestade abaixo antes de finalmente cair no mar. - Não é nada comparado ao rancor que você sentirá por mim enquanto passa o resto da eternidade no inferno. Adeus. - A garota baixou a arma. Havia sido tão rápido que Estelle não sabia o que dizer. Mas aparentemente... havia acabado.

-- O-O-...o que acabou de acontecer aqui? -- Dizia, ainda confusa com tudo. -- Uma mãe... traída pela filha? E como... como ela caiu tão rápido? Eu não estou conseguindo acompanhar.

- Não é tão difícil de entender, é? - A garota disse, com a cabeça baixa. - Ela era minha mãe. Eu era filha dela. Ela tentou destruir o mundo junto com o culto dela... eu a matei. Os detalhes podem esperar até depois. - Se aproximou de Estelle, tirando seu manto característico dos cultistas daquela seita e o colocando sobre o corpo da garota. - Aí está. Muito melhor que ficar nua na chuva, não é? - Falou, em um tom simpático. Como se tentasse ignorar o que acabara de acontecer, se alongou. - Vamos deixar a emoção do reencontro para depois. Ainda existem coisas a fazer aqui, não é? Parar o incêndio, salvar a sua amiga, e então dar o fora.

-- Estelle sentia as lágrimas virem até seu rosto, mas impedia que seus olhos chorassem. -- Eu tenho que consertar isso... tudo isso. Eu... obrigado... obrigado mesmo. Eu vou pra sempre ser grata... -- Sorria. -- Agora... agora é hora de agir.

- Negou com a cabeça. - Você pode me agradecer o quanto quiser quando isso tudo tiver acabado. Até lá... vamos só dar nosso melhor, ambas. - Falou, de maneira séria. - Muito bem... a situação continua ruim. Estamos sozinhas. Mas temos a vantagem deles não saberem que alguém traiu eles e que a princesa está morta. - Produziu outra veste, onde aquilo estava guardado permaneceu um mistério para Bright. - É melhor que você vá procurar a garota. Eu darei um jeito de encontrar a lâmpada e acabar com o incêndio no porto. Mantenha seu rosto escondido pelo capuz e eles vão achar que você é uma deles. Ela está... - Deu instruções para Estelle, que basicamente se resumiam em dizer para a garota ir até o calabouço onde estava anteriormente e escolher a segunda porta. - Quer dizer, depois de tudo... se você não estiver na condição de fazer algo assim, eu posso me virar sozinha...

-- Apesar de com certa dificuldade, Estelle se levantava. Ouvia todo o plano da garota e acenava positivamente com a cabeça. -- Eu ainda estou bem longe do meu limite... precisam de bem mais que isso pra acabar com uma Bright. -- Tinha certo orgulho em sua fala. -- E onde nos encontramos? Depois da porta?

- Bem, não sei se você percebeu, mas esta ilha é tecnicamente um arquipélago. Descendo esse monte, à esquerda, existe uma clareira que dá numa ponte, e então em uma pequena ilha. Eu escondi um pequeno barco lá. Me espere lá junto com a garota. Se tudo der certo, estaremos fora daqui em menos de vinte minutos. - Falou, colocando o capuz. - Não atraia atenção desnecessária... e boa sorte.

-- Estelle era a mestre de atrair atenção não necessária, mas faria seu melhor. -- Certo... nos vemos lá então... -- Suspirava e virava de costas. Mas, antes, virou o rosto e olhou a garota. -- Obrigado de novo e... boa sorte!

- Parecia que a sorte havia sorrido para Bright, enfim. Sua descida era marcada por uma quantidade de sangue descendo sobre os degraus daquela escadaria, não sendo necessário um gênio para entender quem havia uma vez sido dono do mesmo. Precisou recuperar fôlego assim que chegou no fim, já que seus ferimentos não estavam lhe ajudando nem um pouco. A sua esquerda, ou direita da orientação que estava, se encontrava a clareira, mas não poderia seguir sem Kuchi, então prosseguiu.

Passou pelo salão de festas de maneira rápida, a comemoração ainda em progresso dentro do mesmo. Ali dentro estava Ryoma, mas ironicamente, ele era o menor dos problemas agora. O confronto dos dois teria que esperar. Andando por mais alguns minutos, sem realmente chamar a atenção dos membros do culto devido a suas vestes, chegou ao calabouço de onde tinha saído originalmente. Só havia basicamente um corredor, e a porta referida por Kuroyuki logo apareceu em sua frente. Do outro lado, ouvia soluços e um choro comportado, mas havia um problema: a porta estava trancada. Não havia ninguém ao redor, mas... arrombá-la provavelmente chamaria atenção com que Bright não estava em situação de lidar.

-- "Droga, droga, droga, droga", pensava Estelle. -- "Justo quando eu achei que iria sair, eles me puxam de volta!" -- Dizia baixinho, para apenas ela ouvir. Tinha uma ideia. Iria procurar por algum membro, era a hora de colocar suas habilidades de atuação em prática. Assim que encontrasse, diria algo como "preciso da chave, ordens da Princesa, é rápido, algo a ver com a garota Bright" e esperava do fundo do coração que fosse funcionar.

- A chance de um membro aleatório ter a chave era a mesma dele ser burro o suficiente pra cair naquilo, mas quando se joga roleta-russa com o destino, o que vier é lucro. Subiu para a superfície, não demorando muito para se deparar com um membro, perto a um pilar, servindo de vigia. Involuntariamente engoliu seco.

-- O pior que poderia acontecer era levar um sacode. Tossiu de leve, se aproximou do membro e, sem esperar reação, forçou uma voz grossa, mais masculina, e, evitando ao máximo mostrar o rosto, disse: -- "A Princesa precisa da chave do calabouço. Rápido. Algo da garota Bright."

- Pelo Encapuzado, certo! - O homem (?) colocou a mão em suas vestes e logo tirou um conjunto de chaves, pronto para entregá-las... mas logo relutou. Seus olhos escondidos pelo capuz, olhou para Bright. - Espera um pouco... onde estão as SUAS chaves? Todo membro recebe uma cópia das chaves mestra...

-- Havia sido pega desprevenida. Como sempre, Estelle não havia planejado tão longe, e dessa vez a violência não era uma saída. -- Eu... uuuh... deixei cair em algum canto, a Princesa falou que vai me punir depois... não quero que fique ainda pior, sabe? Te devolvo em cinco minutos. -- Continuava forçando a voz.

- Ah, não se preocupe com isso, irmão. Se necessário, eu assumo a culpa por você. Fique tranquilo. - O homem (?) dizia, com um tom calmo. - Boa sorte com o que quer que seja. - Tocou em seu peito, logo entregando a chave para Estelle, aparentemente sem suspeitar de nada.

Retornou para o calabouço, onde a porta ainda aguardava (trancada). O choro havia cessado, e agora nenhum som, além do leve da chuva, podia ser ouvido. O homem havia destacado a chave para Bright, que abriu a porta sem maiores dificuldades.

Se deparou com uma sala parecida com a que havia sido torturada, exceto que uma forma branca permanecia sentada, com a cabeça mergulhada nos joelhos, em um canto. Estava escuro, mas Estelle conseguia perceber quem era. - O que foi agora? Eu já disse que não sei de nada. Você não vai ganhar nada batendo em mim de novo... - Sua voz estava fraca e assustada. Quando levantou a cabeça, Estelle pôde ver: seu rosto estava inchado, seu olho direito bastante maltratado por prováveis socos. Suas roupas haviam sido rasgadas de maneira violenta, apenas permanecendo nas partes mais, uuh, "importantes", o que revelava as lacerações ao redor do seu corpo. Suas mãos estavam presas com algemas.

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-- Kuchi, oh Kuchi! O que eles haviam feito com ela? -- Sou eu, calma, calma. -- Falava com seu tom habitual. Sua voz estava trêmula. -- Vamos... nós vamos sair daqui... vai ficar tudo bem, tudo bem... -- Mostrava seu rosto e se aproximava da garota.

- Estelle...? Estelle...? - A garota parecia incrédula. Assim que a ficha caiu, chorou. - Eu não consigo aguentar isso mais... eu achei que era forte, mas... eles... eles... - Incapaz de limpar as próprias lágrimas por conta das pesadas algemas, seus olhos fecharam. - Eu não consegui esconder o rádio, mas não contei nada... eu não traí ninguém... eu não contei nada... - Sua voz estava fraca, e os soluços já dificultavam suas palavras.

-- Estelle sentia dor. Não dor física, mas a dor de ver a garota em prantos, de ver ela machucada. -- Tudo bem, tudo bem... eu vou te tirar daqui. -- Fechava a porta à suas costas. Era hora de quebrar as algemas... ou abrir, caso tivesse as chaves ou conseguisse as ver.

- Procurou por toda sala, testou todas as chaves que possuía, mas não encontrou nenhuma apropriada para as algemas. Sem opção, foi pelo refúgio dos incompetentes: violência. Com a Aura focada em seu punho, destruiu as algemas em um único golpe, demonstrando uma habilidade invejável ao não machucar Kuchi. A garota permaneceu assustada por um tempo, mas logo se jogou, abraçando Estelle. - Obrigado... muito obrigado... eu não sei o que faria se... - Não terminou a frase, soltando Estelle e limpando as próprias lágrimas. - Desculpa, eu devo parecer muito patética agora... é só que... eles... - Novamente não terminou.

-- Não tem problema, Kuchi, não tem problema. Você é mais forte do que você pensa, acredite em mim. Mas agora... agora precisamos sair daqui. -- Estelle dizia, também se controlando para não chorar ou desabar. Mas precisava ser forte. -- V-vamos...

- Engoliu todo resto do choro e concordou, sem dizer mais nada. Era hora de finalmente sair dali.

Assim que chegou na superfície novamente, percebeu algo estranho. Estava tudo bem silencioso, fora o som ocasional da chuva e dos trovões distantes. Seu caminho até o princípio da clareira havia sido tranquilo, sem se deparar com qualquer membro do culto que representasse qualquer problema. O salão de festas continuava assim como estava, então nada havia mudado... certo?
Se encontrou com Kuchi agora na base do monte, a poucos passos da clareira que daria na ponte e então na saída daquele local. Se Kuroyuki havia tido sucesso, o incêndio deveria ter sido apagado por agora... mas como poderia ter certeza? De qualquer maneira, só podia seguir em frente.

-- Seguir, seguir e seguir. Precisava ocupar sua mente. Pensamentos negativos não mudariam o resultado. Evitava olhar para Kuchi da mesma forma que evitava olhar para seus próprios ferimentos. -- A qualquer momento agora... -- Deixava escapar sua ansiedade. Deveria continuar, apenas continuar, sem pensar.

- Prosseguiu pela clareira e então deu na ponte, sem muitas dificuldades. Não conseguia ver seu fim pela escuridão, chuva e distância, mas parecia ser relativamente extensa. Kuchi tomou sua mão e ambas prosseguiram em meio aos trovões e a dor.
Tudo prosseguiria como planejado, se não tivesse ouvido aquela voz. Se não tivesse visto aquela luz.
Uma forma encapuzada, se destacando em meio às muitas que havia visto naquele dia devido a lanterna em suas mãos, apareceu da bruma que escondia o final da ponte. - "Os maiores peixes são pegos com as maiores iscas". Acho que isso é verdade, afinal. - Um leitor atento já percebeu a quem essa voz pertencia. Retirou o capuz de chuva da cabeça, relevando seus cabelos rosas e sua aparência jovial. - Bem, não é que não demorou mesmo? Não estou tão surpresa de ver você aqui quanto estou de perceber que minha princesa permitiu que você fugisse. Acho que a cerimônia realmente lhe afeta mais do que pensávamos. - Um raio iluminou a face de Stardust, que possuía um sorriso convencido. - Mas você não realmente acha que não notaríamos, certo? Você sabia que terminaria assim, no fim de tudo... que nossa princesa mudaria de ideia sobre manter você viva.

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